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quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Beija-Mão

O ritual do Beija-mão
Uma tradição de reverência a personalidades eminentes, praticada em várias culturas desde tempos remotos.


Dar de mão beijada

“… significa algo que é dado a alguém que não fez nenhum esforço para receber essa benesse. Isto remete-nos para o ancestral hábito de os nobres darem ao Papa grandes oferendas, “recebendo” do Sumo Pontífice a mão para ser beijada. Mas também nas doações senhoriais (nobres ou eclesiásticas) não era raro quem recebia o donatário beijar as mãos do seu suserano.”

Na cultura lusófona suas origens são medievais, sendo um costume da monarquia portuguesa em Portugal depois herdado pela corte imperial brasileira.

O ritual do beija-mão era um antigo costume monárquico, com acentuado registro entre os reis da Europa. Portugal foi o último país a aboli-lo, o que não estranha o fato do Brasil adotá-lo demasiadamente, mesmo quando tal costume estava em desuso na velha Europa.

Em 1808, Tão logo o Príncipe regente D. João VI chegou ao Brasil, ele instituiu a referida prática, que consistia em permitir-se que os súditos (incluindo nobres e plebeus) beijassem a mão direita do rei, como sinal de reverência, de subordinação.

O beija-mão era uma cerimônia pública em que o monarca se colocava em contato direto com o vassalo, o qual, depois da devida reverência, podia aproveitar a ocasião para solicitar alguma mercê. A cerimônia tinha grande significado simbólico, lembrando o papel paternal e protetor do rei, invocava o respeito pela monarquia e a submissão dos súditos.

Era grande o fascínio que exercia sobre o povo. No tempo de Dom João VI havia um protocolo preciso a ser seguido:
- A pessoa se aproximava, ajoelhava diante do rei, e beijava-lhe a mão estendida.
- Então levantava-se, fazia outra genuflexão e se retirava pelo lado direito.

Dom João recebia seus súditos todas as noites, salvo domingos e feriados, em torno das 20 horas (D. João VI tinha o hábito de dormir tarde). Toda a corte se reunia para prestigiar a solenidade.
Era sempre acompanhada com música e às vezes a cerimônia se estendia por longas horas, dada a grande afluência de pessoas. Chegava a receber 150 pessoas por dia.

D. João VI na cerimonia do Beija-mão - 1826

Quando o sinal era dado para a abertura do salão, a banda de música da corte começava a tocar. Em fila, os súditos caminhavam, lentamente, em direção ao salão cerimonial. Quando se aproximavam a alguns passos do trono, inclinavam-se profundamente.
Depois, o súdito se ajoelhava e beijava a mão de D. João VI.

Após, repetia-se o mesmo gesto em relação aos demais membros da família real.
Quando, enfim, o último membro real era reverenciado, o súdito se retirava - também em fila - por outra porta, na mesma ordem em que entrou no salão.

De acordo com depoimentos de europeus que visitaram o Brasil no período em que D. João VI governava o país, havia várias oportunidades em que ricos e pobres se misturavam no Rio de Janeiro, dentre os quais poderiam ser citados missas, procissões, concertos musicais e o ritual do beija-mão.

O evento em si passou a ser um momento esperado por ricos e pobres. Era uma oportunidade de se vestir a melhor roupa e de contemplar, face a face, D. João VI - uma perfeita oportunidade para se fazer algum pedido ou reclamação ao rei.

José Antonio de Sá elogiou as audiências afirmando que Dom João "exercita o amor, e a confiança para o Soberano, e contém os ministros".

Outra lembrança foi deixada por Henry L’Evêque: "o Príncipe, acompanhado por um Secretário de Estado, um Camareiro e alguns oficiais de sua Casa, recebe todos os requerimentos que lhe são apresentados; escuta com atenção todas as queixas, todos os pedidos dos requerentes; consola uns, anima outros.... A vulgaridade das maneiras, a familiaridade da linguagem, a insistência de alguns, a prolixidade de outros, nada o enfada. Parece esquecer-se de que é senhor deles para se lembrar apenas de que é o seu pai".

Oliveira Lima registrou que Dom João VI tinha um deleite especial na cerimônia, onde se misturavam livremente nobres e plebeus, e, "dotado da prodigiosa memória dos Braganças, nunca confundia as fisionomias nem as súplicas, e maravilhava os requerentes com o conhecimento que denotava das suas vidas, das suas famílias, até de pequenos incidentes ocorridos em tempos passados e que eles mal podiam acreditar terem subido à ciência d'el-rei".

Segundo relato de Alexandre J. de Mello Moraes, D. João VI, durante sua estada no Rio de Janeiro, costumava realizar o beija-mão quase todos os dias, quando retornava ao Palácio de São Cristóvão, após seu passeio vespertino. Ao que parece, sempre que estava de bom humor, o rei demonstrava a maior complacência com o ritual, ainda que isso atrasasse um pouco a ceia.

Segundo testemunhas da época, as estradas que davam acesso ao Rio de Janeiro eram percorridas, simultaneamente, por ricos e pobres, que se deslocavam para o palácio real a fim de participarem do evento. Uns iam a pé; outros, na garupa de mulas: todos ansiosos pela chance de beijar a mão do monarca.

O beija-mão no Brasil deu origem ao primeiro sistema de transporte público instalado no país. Dom João muitas vezes se deslocava até a Fazenda de Santa Cruz, distante da cidade, o que tornava o acesso difícil. Como muitos não dispunham de um transporte, em 1817 Sebastião Fábregas Surigué obteve o privilégio de explorar um serviço de coches entre a cidade e Santa Cruz, e também para a Quinta da Boa Vista, outra das residências reais, que na época ficava na periferia.

Em 1816, registrou-se que até um grupo de índios desejou participar da cerimônia.
Seu filho Dom Pedro I, e seu neto, Dom Pedro II, mantiveram o hábito.

D. Pedro
Óleo de Debret

Com as devidas formalidades, o beija-mão prosseguiu no Brasil durante o governo de D. Pedro I, sendo a cerimônia restrita, em alguns casos, à gente da Corte, embora, em certos dias, fosse considerada geral, ou seja, para quem quisesse ou fosse admitido à presença de Sua Majestade.

Um acontecimento referido por Mello Morais, é que, quando faleceu a Imperatriz D. Leopoldina, houve beija-mão do cadáver, por parte dos filhos e da criadagem.

O Príncipe Adalberto da Prússia, que esteve no Brasil em 1842 e teve a oportunidade de presenciar um beija-mão na data comemorativa da Independência do Brasil, quando o imperador era o jovem D. Pedro II, observou: "Vieram então os militares e civis por corporações para o beija-mão." 

O Beija mão no Judiciário

Referências:
Casa Real: Nascimento do Príncipe da Beira: Beija-mão. O Arquivo Nacional e a História Brasileira
Carvalho, Marieta Pinheiro de. D. João VI: perfil do rei nos trópicos. Rede Virtual da Memória Brasileira. Fundação Biblioteca Nacional, 2008
Lima, Manuel de Oliveira. D. João VI no Brasil. Vol. II. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, de Rodrigues, 1908. p. 859
As diligências do beija-mão. Museu Virtual do Transporte Urbano. Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano
Silva, Luiz Geraldo. História do Brasil II - Símbolos e emblemas do primeiro reinado. Universidade Federal do Paraná

Rocha, Levy. Viagem de Pedro II ao Espírito Santo. Vitória: Secretaria de Estado da Educação/Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo, 2008. 3ª Edição, p. 70

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