O ritual do Beija-mão
Uma tradição de reverência a
personalidades eminentes, praticada em várias culturas desde tempos remotos.
Dar de mão beijada
“… significa algo que
é dado a alguém que não fez nenhum esforço para receber essa benesse. Isto
remete-nos para o ancestral hábito de os nobres darem ao Papa grandes
oferendas, “recebendo” do Sumo Pontífice a mão para ser beijada. Mas também nas
doações senhoriais (nobres ou eclesiásticas) não era raro quem recebia o
donatário beijar as mãos do seu suserano.”
Na cultura
lusófona suas origens são medievais, sendo um costume da monarquia portuguesa
em Portugal depois herdado pela corte imperial brasileira.
O ritual do
beija-mão era um antigo costume monárquico, com acentuado registro entre os
reis da Europa. Portugal foi o último país a aboli-lo, o que não estranha o
fato do Brasil adotá-lo demasiadamente, mesmo quando tal costume estava em
desuso na velha Europa.
Em 1808, Tão
logo o Príncipe regente D. João VI
chegou ao Brasil, ele instituiu a referida prática, que consistia em
permitir-se que os súditos (incluindo nobres e plebeus) beijassem a mão direita
do rei, como sinal de reverência, de subordinação.
O beija-mão
era uma cerimônia pública em que o monarca se colocava em contato direto com o
vassalo, o qual, depois da devida reverência, podia aproveitar a ocasião para
solicitar alguma mercê. A cerimônia tinha grande significado simbólico,
lembrando o papel paternal e protetor do rei, invocava o respeito pela
monarquia e a submissão dos súditos.
Era grande o
fascínio que exercia sobre o povo. No tempo de Dom João VI havia um protocolo preciso a ser seguido:
- A pessoa se aproximava, ajoelhava diante do
rei, e beijava-lhe a mão estendida.
- Então levantava-se, fazia outra genuflexão
e se retirava pelo lado direito.
Dom João recebia seus súditos todas as noites,
salvo domingos e feriados, em torno das 20 horas (D. João VI tinha o hábito de dormir tarde). Toda a corte se reunia
para prestigiar a solenidade.
Era sempre
acompanhada com música e às vezes a cerimônia se estendia por longas horas,
dada a grande afluência de pessoas. Chegava a receber 150 pessoas por dia.
D. João VI na cerimonia do Beija-mão - 1826
Quando o
sinal era dado para a abertura do salão, a banda de música da corte começava a
tocar. Em fila, os súditos caminhavam, lentamente, em direção ao salão
cerimonial. Quando se aproximavam a alguns passos do trono, inclinavam-se
profundamente.
Depois, o
súdito se ajoelhava e beijava a mão de D.
João VI.
Após,
repetia-se o mesmo gesto em relação aos demais membros da família real.
Quando,
enfim, o último membro real era reverenciado, o súdito se retirava - também em
fila - por outra porta, na mesma ordem em que entrou no salão.
De acordo com
depoimentos de europeus que visitaram o Brasil no período em que D. João VI governava o país, havia
várias oportunidades em que ricos e pobres se misturavam no Rio de Janeiro,
dentre os quais poderiam ser citados missas, procissões, concertos musicais e o
ritual do beija-mão.
O evento em
si passou a ser um momento esperado por ricos e pobres. Era uma oportunidade de
se vestir a melhor roupa e de contemplar, face a face, D. João VI - uma perfeita oportunidade para se fazer algum pedido
ou reclamação ao rei.
José Antonio de Sá elogiou as audiências afirmando que Dom João "exercita o amor, e a confiança para o
Soberano, e contém os ministros".
Outra
lembrança foi deixada por Henry L’Evêque:
"o Príncipe, acompanhado por um Secretário de Estado, um
Camareiro e alguns oficiais de sua Casa, recebe todos os requerimentos que lhe
são apresentados; escuta com atenção todas as queixas, todos os pedidos dos
requerentes; consola uns, anima outros.... A vulgaridade das maneiras, a
familiaridade da linguagem, a insistência de alguns, a prolixidade de outros,
nada o enfada. Parece esquecer-se de que é senhor deles para se lembrar apenas
de que é o seu pai".
Oliveira Lima registrou que Dom João VI tinha um deleite especial na cerimônia, onde se
misturavam livremente nobres e plebeus, e, "dotado da prodigiosa memória dos
Braganças, nunca confundia as fisionomias nem as súplicas, e maravilhava os
requerentes com o conhecimento que denotava das suas vidas, das suas famílias,
até de pequenos incidentes ocorridos em tempos passados e que eles mal podiam
acreditar terem subido à ciência d'el-rei".
Segundo
relato de Alexandre J. de Mello Moraes,
D. João VI, durante sua estada no
Rio de Janeiro, costumava realizar o beija-mão quase todos os dias, quando
retornava ao Palácio de São Cristóvão, após seu passeio vespertino. Ao que parece,
sempre que estava de bom humor, o rei demonstrava a maior complacência com o
ritual, ainda que isso atrasasse um pouco a ceia.
Segundo
testemunhas da época, as estradas que davam acesso ao Rio de Janeiro eram
percorridas, simultaneamente, por ricos e pobres, que se deslocavam para o
palácio real a fim de participarem do evento. Uns iam a pé; outros, na garupa
de mulas: todos ansiosos pela chance de beijar a mão do monarca.
O beija-mão
no Brasil deu origem ao primeiro sistema de transporte público instalado no
país. Dom João muitas vezes se
deslocava até a Fazenda de Santa Cruz, distante da cidade, o que tornava o
acesso difícil. Como muitos não dispunham de um transporte, em 1817 Sebastião Fábregas Surigué obteve o
privilégio de explorar um serviço de coches entre a cidade e Santa Cruz, e
também para a Quinta da Boa Vista, outra das residências reais, que na época
ficava na periferia.
Em 1816,
registrou-se que até um grupo de índios desejou participar da cerimônia.
Com as
devidas formalidades, o beija-mão prosseguiu no Brasil durante o governo de D. Pedro I, sendo a cerimônia restrita,
em alguns casos, à gente da Corte, embora, em certos dias, fosse considerada
geral, ou seja, para quem quisesse ou fosse admitido à presença de Sua
Majestade.
Um
acontecimento referido por Mello Morais,
é que, quando faleceu a Imperatriz D.
Leopoldina, houve beija-mão do cadáver, por parte dos filhos e da
criadagem.
O Príncipe Adalberto da Prússia, que
esteve no Brasil em 1842 e teve a oportunidade de presenciar um beija-mão na
data comemorativa da Independência do Brasil, quando o imperador era o jovem D. Pedro II, observou: "Vieram
então os militares e civis por corporações para o beija-mão."
Referências:
Casa Real:
Nascimento do Príncipe da Beira: Beija-mão. O Arquivo Nacional e a História
Brasileira
Carvalho, Marieta
Pinheiro de. D. João VI: perfil do rei nos trópicos. Rede Virtual da Memória
Brasileira. Fundação Biblioteca Nacional, 2008
Lima, Manuel
de Oliveira. D. João VI no Brasil. Vol. II. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do
Commercio, de Rodrigues, 1908. p. 859
As
diligências do beija-mão. Museu Virtual do Transporte Urbano. Associação
Nacional das Empresas de Transporte Urbano
Silva, Luiz
Geraldo. História do Brasil II - Símbolos e emblemas do primeiro reinado.
Universidade Federal do Paraná
Rocha, Levy.
Viagem de Pedro II ao Espírito Santo. Vitória: Secretaria de Estado da
Educação/Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo, 2008. 3ª Edição, p.
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